quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Não diga uma palavra

Christopher Hitchens
Do The New York Times

A religião muçulmana faz afirmações extraordinariamente grandiosas sobre si mesma. Todas as religiões fazem isto, é claro, já que alegam saber e serem capazes de interpretar os desejos de um ser supremo. Mas o islã se afirma como a última e definitiva revelação da palavra de Deus; a consumação de todos os meros vislumbres da verdade concedidos a todas as fés precedentes, disponível através do texto perfeito e imaculado da "recitação", ou Alcorão.

Se, algumas vezes, parece haver algo implicitamente absolutista ou mesmo totalitário em tal afirmação, pode ser resultado não de uma leitura fundamentalista do livro sagrado, mas da própria religião. Deste modo, também é conhecida por muçulmanos predominantes, agrupados na Organização da Conferência Islâmica, uma organização intergovernamental, que está propondo - através da influência das Nações Unidas - que não apenas seja permitido ao islã fazer alegações absolutistas, mas que ele também seja oficialmente protegido de qualquer crítica.

Embora esteja escrita na linguagem dos direitos humanos e da oposição à discriminação, a Resolução não vinculativa das Nações Unidas nº 62/154, sobre "combater a difamação das religiões", na verdade busca estender proteção não a humanos, mas a opiniões e idéias, concedendo apenas à última a imunidade contra ser ofendida.

O preâmbulo está cheio de hipocrisias que estão longe de serem até risíveis, como neste delicioso parágrafo, declarando que a Assembléia Geral da O.N.U. está "sublinhando a importância de aumentar os contatos em todos os níveis, de forma a aprofundar o diálogo e reforçar o entendimento entre culturas, religiões, crenças e civilizações diferentes, e saudando neste aspecto a Declaração e programa de Ação adotado pelo Encontro Ministerial sobre Direitos Humanos e Diversidade Cultural do Movimento de Países Não-Alinhados, realizado em Teerã nos dias 3 e 4 de setembro de 2007".

Sim, acho que podemos ver onde estamos indo com isto. (E desejo sinceramente que tivesse sido capaz de estar presente àquela reunião e informar mais diretamente sobre os seus sabores ricos e variados e diferentes culturalmente, mas eu não consegui um visto.) As condições que se seguiram a este preâmbulo túrgido são ainda mais tendenciosas e se tornam ainda mais conforme a resolução se desenvolve. Por exemplo, o Parágrafo 5 "expressa sua profunda preocupação que o islã é freqüente e erroneamente associado a violações dos direitos humanos e terrorismo", enquanto que o Parágrafo 6 "registra com profunda preocupação a intensificação da campanha de difamação das religiões e da classificação religiosa e étnica das minorias muçulmanas na esteira dos eventos trágicos de 11 de setembro de 2001".

Você vê como o truque é feito? Nas mesmas semanas que esta resolução surge para sua renovação anual nas Nações Unidas, o seu principal governo-patrocinador (Paquistão) faz um acordo com os talibãs locais na região do vale Swat (apenas 160 quilômetros, aproximadamente, da capital Islamabad) para sujeitar os habitantes à lei Shariah. Esta capitulação vem em resposta direta a uma campanha de intimidação e violência horrível, incluindo decapitações públicas.

Mesmo assim, a religião daqueles que levam esta campanha adiante não deve ser mencionada, a fim de que não se "associe" a fé com violação dos direitos humanos ou terrorismo. No Parágrafo 6, uma tentativa óbvia está sendo feita para confundir etnia com fidelidade confessional. De fato, esta insinuação (desprezando acidentalmente a criminalidade baseada na fé do 11 de setembro como meramente "trágica") é, na verdade, essencial a todo o plano. Se a religião e a raça podem ser administradas juntas, então as condenações que o racismo, como um axioma, atrai podem também ser estendidas, de forma sub-reptícia, à religião. Isto é deselegante, mas funciona: O termo inútil e sem sentido islamofobia, agora amplamente utilizado como um porrete de chantagem moral, é testemunho do seu sucesso.

Apenas para ficar claro, uma fobia é um medo ou antipatia irracional e invencível. No entanto, alguns de nós podem explicar com relativa calma e lucidez porque pensamos que "fé" é a mais superestimada das virtudes. (Não nos chame de "fóbicos" a menos que você queira que comecemos a lamentar que fomos "ofendidos".) E toda esta imagem estaria muito menos turva e confusa se o estado do Paquistão, digamos que, não fizesse a afirmação absurda e desacreditada que a religião pode ser a base de uma nacionalidade. Tais amálgamas crus - está um saudita ou paquistanês sendo "classificado" por causa de sua religião ou sua etnia? - são responsáveis por qualquer superposição entre religião e raça. Pode também ajudar se o Hadith muçulmano não aconselhou a pena de morte para qualquer um que tentar abandonar o islã. Uma pessoa poderia então estar mais certa de quais eram os fiéis sinceros e quais não eram, ou (assim como com o véu ou o xador no caso de partidárias femininas) que eram voluntárias e quais estavam sendo coagidas pelas suas famílias.

Ao invés de tentar colocar sua própria casa em ordem ou enfrentar outras questões sérias como o assassinato em massa de muçulmanos xiitas pelos muçulmanos sunitas (e vice-versa), ou a profanação de locais sagrados para os muçulmanos por gângsteres muçulmanos, ou a discriminação contra muçulmanos ahmadi por outros muçulmanos, a resolução das Nações Unidas busca estender toda a área de abnegação de sua já existente terra natal no mundo islâmico para o centro da democracia pós-iluminismo, onde são os indivíduos que têm direitos, não as religiões.

Veja onde a linguagem do Parágrafo 10 da resolução está nos levando. Tendo brevemente oferecido elogios insinceros aos direitos de livre expressão, continua dizendo que "o exercício destes direitos carrega consigo deveres e responsabilidades especiais e pode, portanto, estar sujeito a limitações, conforme o disposto na lei e que são necessárias para o respeito aos direitos ou reputações dos outros, proteção da segurança nacional ou da ordem pública, princípios morais ou saúde pública e respeito por religiões e crenças". O pensamento enterrado nesta prosa terrível e grosseira é tão feio quanto a linguagem no qual ele está expresso: Cuidado com o que você diz, porque nossas intenção declarada é criminalizar opiniões que discordem da única fé verdadeira. Não deixe ninguém dizer que eles não foram avisados.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3611371-EI12924,00-Nao+diga+uma+palavra.html

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