terça-feira, 15 de setembro de 2009

To Verdener

O filme dinamarquês To Verdener mostra conflitos de comportamento de uma fiel da Sociedade Torre de Vigia

O cinema dinamarquês não é lá dos mais conhecidos. Até hoje, o pequeno e próspero país do norte da Europa só legou à história da sétima arte filmes como A Festa de Babette e Pelle, o Conquistador (Oscar de melhor filme estrangeiro em 1988 e 1989, respectivamente, sendo que o último ainda levou a Palma de Ouro em Cannes), além de algumas fitas de caráter mais cult. Pois agora o país volta a ser manchete com o longa To Verdener (Worlds Apart em inglês, ou Mundos Separados em português), numa aposta um tanto inusitada. Baseado em fatos reais, o filme retrata os conflitos vividos pelos adeptos do movimento religioso Sociedade Torre de Vigia, mais conhecidos como Testemuhas de Jeová.

Considerado sectário pela maioria das igrejas evangélicas, o grupo vive em constante conflito com práticas que considera mundanas, sobretudo na questão dos usos e costumes. Pois é nesse meio que Sara – papel interpretado pela atriz Rosalinde Mynster – se vê dividida entre a fidelidade aos princípios estabelecidos pela doutrina e uma paixão arrebatadora. Acontece que o rapaz em questão, Pilou Asbaek, se não chega a ser um ateu, não deixa também de expor seus pensamentos acerca do que considera ser exagerado em relação a certas práticas religiosas da moça. Para piorar, os pais de Sara passam por uma séria crise conjugal, cabendo a ela – não bastasse os problemas pessoais que já enfrenta – tentar controlar a situação, com base nos princípios de fé ainda não transgredidos pelas descobertas amorosas. Um caldeirão e tanto, não é mesmo?

Quem dirige o filme é o dinamarquês Niels Arden Oplev, cujo nome é mais associado a produções infantis do que a histórias com temáticas religiosas ou dramas familiares como To Verdener – tanto, que ele foi um dos consultores estrangeiros convidados para o Laboratório SESC Rio de Roteiros para Cinema Infantil, evento realizado em São Paulo no mês de setembro. Adultério, preconceito e intolerância são alguns dos temas explorados pelo roteiro, ingredientes suficientes para render muitas discussões.


“Caminhos sem culpa” – A Sociedade Torre de Vigia é a instituição surgida nos Estados Unidos. Os testemunhas de Jeová praticam uma fé baseada em interpretações literais e fundamentalistas de trechos bíblicos. Ao contrário dos evangélicos, eles não consideram a divindade plena de Jesus e acreditam-se mais capacitados espiritualmente para enfrentar os episódios narrados no Apocalipse acerca do fim dos tempos. Um dos pontos mais polêmicos e conhecidos de sua doutrina é a proibição às transfusões de sangue, ainda que o procedimento seja considerado fundamental para salvar a vida do paciente – razão pela qual já moveram e sofreram inúmeros processos judiciais. Todas as decisões organizacionais e doutrinárias relativas ao movimento são tomadas pelo chamado Corpo Dirigente, órgão sediado em Nova Iorque, nos EUA, e considerado por seus adeptos como o único canal de comunicação entre Deus e a humanidade.

“A vida não é um filme, você não entendeu". É fazendo uso dos versos do cantor e compositor Herbert Viana que o professor de história e ex-testemunha de Jeová Jerry Santos Guimarães critica os que esperavam um desfecho mais hollywoodiano – ou o clássico final feliz – para o filme. “Muitos podem não gostar, mas eu acho que a história já vale a pena pelo fato de a personagem se libertar e, finalmente, poder escolher seus caminhos sem culpa”, diz. Atualmente, Jerry é candomblecista e um dos administradores do TJ´s Livres (www.forum.clickgratis.com.br/tjlivres) – uma espécie de fórum de discussão que reúne relatos e troca de experiências entre ex-adeptos do movimento no Brasil e em Portugal. “Acho que a produção não deve ser analisada apenas como entretenimento, mas como ferramenta a ser utilizada pela dissidência para atingir membros da Torre de Vigia”, comenta.

To Verdener, que ainda não tem data para chegar ao Brasil; estreou no Festival de Berlim no início do ano e já abocanhou o Prêmio Signis no 24º Festival Internacional de Cinema de Tróia – o Festróia –, realizado na cidade de Setúbal, em Portugal. Na opinião do júri, Oplev explora com delicadeza e sensibilidade cinematográfica a escolha entre a fé, a entrega pessoal e o amor. Agora, a mira dos produtores está voltada para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, já que o longa foi um dos escolhidos pela Dinamarca para concorrer a uma das vagas para a final. A cerimônia acontece em março, nos Estados Unidos. Será que a história de conflitos religiosos da jovem Sara terá a mesma consagração de A Festa de Babette e Pelle, o Conquistador, vinte anos depois?

Fonte: Revista Eclésia - Edição 128

Retirado Daqui.

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